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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Capítulo 2 - Fogo e Gelo na Estíria

Diário de Vlad Drácula


28 de abril.

Há um mês, quase exatamente, pelos meus apontamentos, entrei em contato com meus advogados de Londres e negociei a vida de um representante para realizar as devidas alterações no testamento. Hoje, fui informado que ele passará uma noite na Estíria e, pelos meus cálculos, isso acontecerá daqui dois dias, bem na noite de Valburga. Há certos costumes tradicionais entre os vampiros dessa região do mundo. Um deles é o hábito de nos retirarmos a antigos cemitérios, em vilarejos abandonados, para dormirmos longos sonos reparadores sem sermos incomodados.

Sei que a Estíria faz parte da jurisdição dos Bathory, e tem uma Bathory que pretende acordar de seu sono de beleza na noite de Valburga. Acordará sedenta e Deus sabe que há uma grande chance do inglês fazer a besteira de zombar da superstição popular e resolver caminhar sozinho essa noite. Eles sempre fazem isso, os ingleses. Raça de teimosos.

Vou mandar uma carta para o mâitre do hotel onde ele se hospedará, mas não é garantido que chegará a tempo. Terei que ir pessoalmente atrás do homem. Espero que ele tenha um mínimo de bom senso. Só o mínimo.


Carta de Vlad Drácula para Herr Delbrük*


“Cuide bem de meu convidado, pois sua segurança me é muito cara. Caso lhe aconteça algo, não meça esforços para encontrá-lo e garantir que esteja a salvo. Ele é inglês, e, portanto, aventureiro. Há perigos na neve, nos lobos e na noite. Não demore um instante se suspeitar que ele pode estar correndo algum perigo. Seu zelo será recompensado com a minha fortuna.

Drácula”



Diário de Vlad Drácula


01 de maio.

Passei por maus bocados essa noite.

Quando cheguei a Munique, o advogado tinha saído do hotel para dar uma volta de carruagem. É sempre nesses passeios que algo dá errado. Parece que todos sabem disso, menos os malditos “europeus civilizados”.

Corri como pude em forma de lobo, mas, quando enfim alcancei a carruagem, em forma humana, descobri que o bendito inglês teve o capricho de visitar um vilarejo abandonado. Adivinhe, diário. Sim, o vilarejo onde a Bathory estava dormindo.

Corri até ele para tentar evitar o pior, mas não fui bem-sucedido. A proteção mágica dos Bathory impedia minha aproximação. É uma medida prudente cercar seus locais de sono com proteções contra outros vampiros, mas acabou se tornando muito irritante para mim, no momento. Voltei a ser lobo e fiquei rondando o caminho para o vilarejo, esperando uma brecha que me permitisse entrar.

Quando a noite caiu, senti a vampira retornar de seu sono. Para descobrir que era Dolly, a filha de Elizabeth que mais me odeia. Ótimo. Não podia ser minha afilhada, Carmilla, um doce de garota. Claro que não.

Com o despertar de Dolly, a proteção desapareceu, mas uma tempestade de neve impediu minha aproximação. A neve é o recurso preferido dos Bathory. “Boa noite para você também, Dolly”, eu disse a ela, uivando. Ouvi seus risos desagradáveis no vento gelado que soprava. Tornei a uivar: “Só quero esse humano tolo e atarantado que invadiu seu território. Preciso dele.” Os risos voltaram ainda mais sarcásticos. Percebi que negociar seria perda de tempo.

Invoquei os trovões e o vento em meu auxílio, coordenando-os com uivos. Meu objetivo era dissipar as nuvens que causavam a tempestade de neve, para poder avançar. Pouco a pouco, consegui diminuir a intensidade dos flocos. Por um delicioso instante de triunfo, cheguei mesmo a debelar a tempestade e permitir que o luar iluminasse tudo.

Imediatamente, o triunfo arrefeceu, pois, sob a luz do luar, percebi distintamente que o amaldiçoado humano estava bem diante do túmulo onde Dolly despertava. Ela também percebeu, e tratou de me rechaçar com dobrado furor: invocou nada menos que uma tempestade de granizo contra mim! Vi que o humano, como era natural, foi se refugiar às portas do túmulo, único lugar onde o gelo não o fustigaria. Dolly chegou mesmo a permitir que a porta do jazigo se abrisse, para desobstruir a entrada do homem. Aquilo me enfureceu. Com um trovão e uma rajada particularmente forte de vento, tirei o advogado lá de dentro. Se eu não fizesse nada, ele voltaria a procurar abrigo lá.

Foi então que me lembrei de algo que vi ao luar: o túmulo tinha uma lança de ferro no topo, como parte da decoração. Sorri, ao me lembrar de tudo o que vira a respeito de eletricidade durante minha vida universitária. Juntei todas as minhas forças e mandei o maior raio que pude bem em cheio na lança. Os efeitos foram devastadores.

Ouvi o grito de Dolly, enquanto era queimada, e, com os ventos, mandei o humano para longe do espetáculo novamente. Elizabeth Bathory provavelmente vai aparecer aqui no castelo para exigir satisfações para meu comportamento, mais tarde. Verdade é que prefiro lidar com a velha Bessie. Dolly é de amargar.

Com a inconsciência dela, pude enfim me aproximar do bendito advogado. O pedaço de asno estava desmaiado e quase congelado. Nesse ponto, deparei-me com um dilema. Se eu assumisse a forma de homem e o carregasse, minha falta de calor corporal faria com que morresse de hipotermia até chegarmos a Munique. Como lobo, eu era quente, mas não podia carregá-lo. Depois de considerar um pouco, decidi que o menos pior era me deitar sobre o peito dele e aguardar que amanhecesse ou chegasse algum socorro, o que acontecesse primeiro.

Durante a angustiosa espera que se seguiu, muitas vezes me perguntei por que os humanos não permitem que as mulheres exerçam certas profissões. Certamente eu preferiria estar aquecendo uma bela advogada, no lugar de um inglês barbado e imprudente. E quanto a lamber o rosto e o pescoço dele para que acordasse? Nunca mais vou me sentir limpo, depois disso, até que beije uma bela mulher, ou que consiga algum sangue de boa qualidade.

Graças a Deus, depois de algum tempo, vi o clarão de tochas e ouvi o murmúrio de vozes. Um grupo de soldados humanos se aproximava, provavelmente um grupo de buscas atrás do inglês. Fiz um ruído que não os assustasse, mas os orientasse até que chegassem onde estávamos.

Finalmente, pude deixar a infeliz criatura aos cuidados dos soldados e segui meu caminho. Um deles, mais insolente, tentou mesmo atirar em mim, sem sucesso. Ainda assim, sou muito grato a eles, por levarem meu fardo, e preparei uma gorda recompensa para cada membro do grupo de buscas.

Amanhã, ele deverá chegar ao Passo Borgo e precisarei ir buscá-lo. Até lá, fruirei meu merecido descanso.

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